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(Suzana Guimarães - arquivo pessoal) |
No primeiro dia, ele me olhou com bastante braveza e me apontou o final da fila. Eu não sabia que havia filas. Ele era o dono da padaria. Tinha o chapéu de chefe na cabeça, e bastante simpatia. Eu me senti a mais errada dos humanos. Corri para o fim da fila e, todo dia, eu para lá ia porque a fila era por ordem de tamanho. Eu era pequena, ele, grande. Eu o admirava porque seus pães eram bem feitos, milimetricamente medidos, sal no ponto, nem a mais nem a menos. Ele sabia sovar bem. Ele tinha dedos mágicos, braços longos e fortes, artísticos, inclusive. Teve quem corresse para passar na frente, mas ele era contundente, dizia que ali era um lugar de regras a serem obedecidas. O pão de cada um que esperasse.
Um dia, chegou um menor que eu. Vestia casaca e tinha um cravo de ouro na lapela.
O chapéu branco imaculado desceu em gesto rápido ao vento, em elegante reverência.
Tão lindo aquele cravo de ouro, parecia conter, inclusive, um diamante!
O menor que eu foi direto ao balcão. O pessoal da fila percebeu. O guarda no trânsito percebeu. A prostituta que fazia ponto em frente à padaria também percebeu.
O chapéu subiu e desceu dos céus ao chão, do chão aos céus.
O pessoal da fila foi desaparecendo, um por dia. Os pães passaram a ser feitos com dois pesos e duas medidas... e até a prostituta, tão vendida, procurou outra freguesia.
A padaria? Fechou.
Por Suzana Guimarães
E porque fechou a padaria? O que tinha que ver o moço do cravo de ouro?
ResponderExcluirFiquei intrigada ou então eu não compreendi nada.
Beijocas
Oi, Graça!
ResponderExcluirPosso responder. Na vida, não podemos ter dois pesos e duas medidas, e, sim, apenas um peso e uma medida. O dono da padaria era rígido em suas próprias regras, queria que a fila fosse por ordem de tamanho. 'Tamanho", no texto, ficou em sentido figurado, não o tamanho em centímetros, mas o tamanho que se conquista só com o tempo. O menor de todos deveria se postar no final da fila porque foi o último a chegar, mas ele tinha poderes, era rico, importante, 'vestia casaca e tinha ouro e diamante', e, por isso, o dono da padaria o deixou passar na frente de todos, fez reverências para ele e ignorou todos os demais. Isso, o mundo todo vê, apesar de que a maioria faz vista grossa. O mundo todo vê, isso ficou exemplificado no guarda de trânsito e na prostituta. Essa, 'tão vendida', só mudou de freguesia, com certeza, por ser menos vendida que o dono da padaria, tão imaculado em seu ofício e regras. A padaria fechou porque o dono dela tinha dois pesos e duas medidas.
Um abraço!
Suzana Guimarães
tiro com legenda do teu conto um único peso:
ResponderExcluira moral não pode ser flexível!
bela metáfora,querida.
já perdi propostas de emprego,amores, amizades... tudo por não aceitar a flexibilidade da atitude moral, minha moral não é elástica e nunca será! gostei muito de ler isto aqui, só reforça o meu gostar de ti.
:)
um beijo!
Adorei o texto, mas a tua explicação no comentário acima está o máximo, Lily :)
ResponderExcluirÉ isso mesmo: na vida temos um peso e uma medida.
beijoss
Não deveria ter dois pesos e duas medidas, mas sempre tem. Nós temos essas manias. Julgamos pelas vestes que cobrem o corpo, pelos movimentos. E até determinamos como achamos que o outro deve ser. rs
ResponderExcluirbacio
Lily,
ResponderExcluirBelo texto o seu. Aderente e atual.
Gostei muito do que vi. Sou campeão mundial em criar confusão em filas com àqueles que teimam em não respeita-las. :)))
Achei seu blog moderno e de excelente visual.
Levo conceitos para o meu, que é de um aprendiz.
Voltarei por aqui.
Sucesso sempre, foco contínuo.
Forte abraço.
agamenonplait.blogspot.com
Adorei o conto, Suzana, e faço minhas as palavras da Lu Guedes, é bem assim que as coisa funcionam. Um beijo.
ResponderExcluirObservas a vida, vivendo, não é?
ResponderExcluirFico envolvida com as palavras e as reflexões que provocas, Suzana.
Costumo escrever um comentário e não ler os demais. Por que resolvi lê-los hoje? Nem eu sei. E lendo, encontro a "nota de rodapé", a tradução do texto... amei! E olha que prefiro deixar minha sensibilidade dirigir o entendimento. Mas gostei muito de ler tua ajuda à leitora kkk. És fantástica, menina!