terça-feira, 24 de dezembro de 2013
Cheiro de flor e hortelã
Volta.
Olha novamente, sou eu mesma.
Perdão, precisei de tempo. Você pode imaginar? O tempo foi muito longo e tenebrosos os invernos, exaustivos todos os verões... nos outonos, eu perguntava aos céus e às folhas caídas por você. Volta de onde está, olha para mim, toda primavera, por mais sem flores, foi para você.
Perdoa-me, foram muitos os chamados e muita a ânsia da certeza. Perdoa-me e volta. Por favor, pega aquele mesmo roteiro, espera em pé, perdido naquele ermo caminho sem fim, sob o calor do deserto, sob nossas inúmeras desconfianças... Saiba que é tudo e para mim, início e fim.
Volta.
Retorna.
Liga o carro, busca-me.
Estou há tanto tempo esperando-o que acabei por duvidar de mim.
Volta, e amassaremos o campo de hortelã, menta, sempre-viva, tudo onde os deuses atônitos presenciaram nosso tão inacreditável esbarrão.
Venha, vamos rir deles. Vamos rir de nós.
Suzana Guimarães
sábado, 14 de dezembro de 2013
A Lista
O segundo teve medo.
O terceiro me acanhou.
O quarto, um criado-mudo.
O quinto provocava risos.
O sexto veio para eu esquecer.
O sétimo, calvo, calmo, parvo.
O oitavo foi o segundo que voltou.
O nono quase me conheceu.
Dispenso o primeiro, quero o último.
Rio do segundo.
O terceiro espera eu voltar, na mesa de um bar.
O quarto, provavelmente, ninguém mais espana.
O quinto afogou-se em seu próprio riso.
O sexto virou cartilha, esqueci.
O sétimo, onde?
O oitavo repete ano, não dá!
O nono chegou atrasado.
E o décimo?
Vai me beijar.
Por Suzana Guimarães
segunda-feira, 9 de dezembro de 2013
UM FUTURO VIVIDO
Fotografia de Suzana Guimarães |
Meus olhos estão molhados, de saudade do futuro que vivemos. Mais uma vez, escrevo para você e assim o farei, até o dia em que outras certezas pegarem-me de assalto, numa terça-feira qualquer, de um meio de mês qualquer, numa rua qualquer de um bairro no estrangeiro. Até o dia em que eu passar por outro alguém assim igual passei por você.
Lembra-se? Após anos, decidi mudar o trajeto, velho conhecido, e mudar de rua. Mudei de endereço num dia marcado para passar por você, que vinha andando, cabeça baixa. Eu, distraída. Você carregava cartas, escritas para alguém, mais tarde, bem mais tarde, descobri, você escrevia cartas porque queria ser só seu, mas sentia-se numa longa espera, por alguém que você nem sabia se apareceria e mesmo se existia.
Derrubei você e as cartas. Você ofereceu um chá, e, eu que não gosto de chá nem café, aceitei. Li as cartas em nossos setenta e sete dias, até o dia em que você pulou no primeiro vagão de trem e me deixou parada, perplexa e só, na estação.
A mesma estação onde permanece fechada, a casa. E ela? Não sei. Escrevo para dizer-lhe que ela agora nem mais é minha, também a abandonei, feito você. A nossa casa, que sequer pisamos nela, mas que muito bem a conhecemos, está lá, na beira daquela estrada, abaixo da linha férrea, tudo trancado, relógio parado, toalha no chão caída. Lá, eu não volto, apesar de que saí na noite passada, atrás de você, e, você em outra casa, fechado dentro dela, deixava a voz ecoar ao vento que chegou a mim e ouvi. Já sei. Você não quer.
Você não quer, então eu também não quero. Queremos pegar numa cadeira, sabendo que é uma cadeira, sentindo-a cadeira, queremos nos sentar nela, bem distantes a minha da sua, assim você quer e eu concordo, e queremos esperar os dias seguirem normais. Chega de corações saltando pela garganta, de noites mal dormidas, de cabelos arrepiando sem que ventos lhes tocassem, sem que pensamentos os eriçassem. Chega de sobressaltos, de tapas em palavras, de beijos surrealistas escorrendo por alças de blusas. Chega daquela coisa insana, de nossas e de tuas.
Você nem gritou adeus e arrancou da minha mão todas as cartas. Na hora, as portas se fecharam, a do trem e a da casa, aquela que sequer foi aberta! Nem chegamos lá, você partiu antes, aflito e medroso, sumiu. Eu corri lá, peguei a lembrança de tudo aquilo que compartilhamos, bati portas e janelas, num misto de ódio e ternura, peguei todos os sentimentos e os carreguei nas mãos enquanto ainda as queimavam... até que tudo se acalmou, e eu então guardei tudo, dentro de um botão de uma rosa branca, abri e fechei as folhas pétalas, perpétuas, igual fazia com as cartas, e decidi lhe escrever para dizer que, aquilo, eu vivi, você querendo ou não, e este é o seu castigo: a eterna lembrança de mim, que você não quer. Em mim, ficou tudo de si, mas você, eu nunca neguei. Em mim, janela ou porta, uma vez aberta, não fecha.
por Suzana Guimarães
Nota: texto originalmente publicado em 13 de dezembro de 2010, no Blog 'O Medo de Suzana'.
quinta-feira, 5 de dezembro de 2013
aconteceu
um pouco antes do Sol, num dia ainda frio, ainda cinza, mas o gramado, verde; eles estiveram por lá, antes de mim, e as margaridas não poderiam ser mais brancas e nem mais amarelos, seus pistilos, o centro do dia marcado.
assim, disseram os anjos, ao deixarem sobre a grama, um pouco de suas alvas asas, frágeis, frágeis... tal qual o momento em que o vi, leve, curto, mas tão intenso quanto os raios que castigam a pele esbranquiçada pela inércia da espera.
ninguém viu quando a Terra firmou-se, concreta e parou.
só eu, só eu girei.
em torno de você.
Suzana Guimarães
domingo, 1 de dezembro de 2013
PARALISIA
by Suzana Guimarães |
Sentados, estáticos.
Passou uma fila de formigas, ordeiro exército, elas derrubaram o açucareiro. Os olhos arregalaram-se.
Um-quarto do meu corpo paralisou.
Passou um esquilo na janela, um galho de árvore dobrou-se seco e caiu... os olhos arregalaram-se.
Mais dois-quartos...
Vento passou pelas frestas nas juntas das janelas, o cupim arrotou.
Meu corpo todo gelou, estarrecido
Vi então um enorme elefante atravessando a loja de cristais.
E eles, parados, com os olhos arregalados.
Por Suzana Guimarães
Assinar:
Postagens (Atom)