Los Angeles, abril de 2013.
Querido,
Eu queria que chovesse, mas não chove nunca por aqui. Às vezes, alguns respingos que iludem e me fazem pensar que tudo pode ser vivido novamente. Mas, não é bem assim... eu sei, você sabe. Eu queria ouvir um pouco mais o som do sino dos ventos, ouvir os pássaros que passam pela varanda à minha frente, em displicente alegria. Eu queria algo que me aconchegasse e me livrasse do sentimento de ser sempre só. Eu nem sei por que lhe escrevo...
Escrever uma carta para você e não poder enviá-la é ofício dos piores pois alivia, mas relembra o desconforto de nossas inúmeras frustrações vividas, à todas elas, juntarei mais algumas dúzias de cartas até o dia em que eu entender que não o tenho mais, que nunca o tive, que nunca fui realmente sua. Enquanto esse dia não chega, perco o meu tempo - tempo? - contando-lhe minha rotina.
Depois que eu perdi você, passei a perder coisas, nunca sei onde estão meus óculos, minha agenda, onde larguei meu telefone celular. Parei de pintar as unhas, de hidratar a pele, esqueci na gaveta meus brincos e pulseiras, meu tempo para mim. Nos momentos de ócio, perco-me olhando o enorme mapa pendurado na parede da sala, leio e releio os nomes dos países, dos rios e oceanos como se fosse sempre a primeira vez.
Quantas vezes você morreu ou eu o matei? Inúmeras vezes, tantas que não cabem numa só existência. No chão, há mais pegadas nossas do que possamos imaginar. E em nossa história só há prefácios, resumos, rachaduras que sempre procuram nos engolir. Quantas vezes eu o deixei e quantas você pensou me ter? Eu acreditava ser sua, mas não era, descobri que existe enorme diferença entre "assimilate" e "adjusting". Assim, em Inglês mesmo e da forma que está escrito, pois, hoje, Mrs. G., minha professora, enfatizou isso tanto, mas tanto, que, eu, distraída, olhando, através da janela de vidro, as pessoas que passavam ao longe, me revi e refiz certos percursos passados. A verdade bateu-me à cara, nítida e brilhante. Eu pensei que amei, porém, eu apenas fiquei ajustando-me a você, procurando me adaptar. Eu não o assimilei. Assimilar é receber na veia aquilo que lhe é apresentado. Por que eu nunca o aceitei, por que eu o deixei partir e também me deixei ir, por que rejetei o nosso amor, fingindo ajustes, mas no fundo querendo ser parte da sua pele? Por que você fez o mesmo?
Outro dia, visitei uma cartomante. Ela disse que havia um eterno homem em minha vida, eu ri, claro! Todas dizem o mesmo! Porém, ela o descreveu em detalhes. Disse que fui sua preferida dentre todas as dançarinas de um cabaré do passado; a filha de um senhor de terras que não o queria por perto e que mandou lhe matar... fui aquela que embrenhou numa noite escura e solitária para procurar por você... e encontrá-lo tarde demais, machucado, derrotado, morto. Ela disse que completamos agora nosso sétimo encontro e isso significa que somos almas gêmeas. Fomos aventureiros, loucos, constantes, amantes, preferidos, escolhidos, mas só soubemos nos negar, enquanto juntos.
Troquei você por meus discos, meus livros e todos os meus delírios. Reneguei seu corpo só para não assumir a dor do meu sem o seu. Falei, falei demasiadamente e emudeci quando mais precisava dizer. Aceitei seus erros, mas não assumi o homem. E deixei você para todas as outras. Ri de nós, chorei por nós, briguei com a nossa história, recusei ser infeliz, mentira, sequer tentei.
Eu nem sei por que lhe escrevo... Cheguei tarde para recomeçar. Andei o mundo todo à sua procura por tão longo tempo, por tanto amor, por mim, por nós, por uma história que valesse a pena, para ser novamente sua, e, você, inteiro, de verdade, para mim, porém, enquanto eu pulava no primeiro trem que passava na estação, você descia dele e enquanto eu caminhava para o norte, você se decidia a bancar o forte e desbancar o mundo, no sul.
Não chove. Não ouço trovões, não sei mais o que são relâmpagos, nunca mais os vi. Não sei por que lhe escrevo... não sei por que ainda penso em nós, e nem por que a imagem de você, morto, naquela esquina, com os olhos abertos, vidrados e estranhamente gritando meu nome tornou-se minha vigília, em todas as posteriores noites frias e solitárias, onde se ouve apenas um relógio a caminhar seus ponteiros, indolentes.
A você, meu olhar parado no mapa.
Por Suzana Guimarães