Picture by Raíssa Medeiros |
terça-feira, 4 de junho de 2013
COMPRAREI UM LOFT
Comprarei um loft, para nele caminhar nua em minha
solidão. Nua, não, de calcinha e camisete.
Os móveis chegarão aos poucos, garimpados em lojas de cantos de ruas,
onde se vende de tudo. Buscarei no passado meus cusquenhos e outras telas
onde me perco apreciando-as. Um sofá novo e atualmente sem vida, esperando por
mim, alheio ao pó e ao mofo. Buscarei minhas taças de cristal e os
copos coloridos e também meus potes de cerâmica vidrada para servir comidas quentes nos
invernos. Alguns livros, alguns discos, todas as fotografias. E também as
panelas antigas, meu tacho, minha máquina de costura sem pedal. Minhas panelas
de pedra, os armários feitos de madeira de igrejas... Trarei meus santos. Comprarei roupa de cama nova, usarei a
lingerie que se perde nas gavetas. Pintarei as paredes, eu mesma, farei stucco em
algumas delas. Minha casa será um todo e eu a semente da maçã. Darei as chaves
aos meus filhos. Voltarei das festas e jogarei meu corpo no tal sofá, minha
cama. Dispensarei demaquilantes, passarei o dia com os olhos feito os pandas. Ouvirei
minhas canções enquanto o vinho gelar na geladeira. Escreverei, escreverei, até
o desgate, e provarei que nenhum poeta é fingido. Ele é o ébrio que usa a
embriaguez como desculpa para dizer tudo aquilo que não tem coragem. Ele é o desajustado que usa
a poesia como fuga porque seu desejo de
mudança é bem mais rápido que o tempo dos relógios e em inconformismo tal que
assusta o mais persistente de todos os viajantes. Ele não finge, ele confessa. Ele
viaja sem sair do lugar e ganha de todos. Não farei sexo, não beijarei na boca,
e dispensarei o vibrador de presente.
Comprarei esmaltes escuros, lerei a agenda que furtei
da minha colega da faculdade, viverei os dias da agenda, telefonarei para seus
namorados e amigos e conversarei por horas a fio, como se eu fosse ela.
Sairei pelas ruas de chapéu e aprenderei a andar de
bicicleta. Depois, andarei com lenço de seda preso ao pescoço, pelo prazer do voo
que ele faz na beira da praia mais isolada, onde o vento bate só para quem
tem coragem de senti-lo.
Serei a poeta
sem o aguardente, terei coragem então de ser outra e serei a vigília nas noites
em que eu me lembrar de você,
lembrando-me o tanto que poderíamos ter sido felizes.
Por nada valerem as conversas dos bêbados, por nada
valerem os delírios dos poetas, atearei fogo em meus textos, em pires bem
pequenos, para que o processo dure o tempo exato da decomposição de um corpo.
Por Suzana Guimarães.