Ilustração por

Sobre contos e pespontos

Entre um conto e outro, alguns pespontos. Preciso dos pespontos para manter o principal equilibrado e firme. Preciso todo o tempo... Aprendi a pespontar quando a minha mãe me ensinou a fazer flores. Não, não se aprende a pespontar quando se faz flores. Essas apenas me lembram a minha mãe que me ensinou a pespontar os arranjos que a vida nos dá.



sexta-feira, 13 de junho de 2014

NA PRAÇA

(Desenho a lápis por Ana Maria B. C. Guimarães)

Na praça, ela sentou-se à minha direita. Falou, "Sem dente!". Nem olhei para ela, mas lembrei-me da extração de um siso dias atrás. Não havia inchaço em meu rosto. O sol batia em seu rosto avermelhado, eu me protegia com um chapéu. Contou-me de seus desamores: um tinha o dedinho do pé, o menor de todos eles, encurvado para cima. Ela olhava aquele dedo sempre, em todos os lugares, no chão, na cama, na dobra de um olhar descuidado. Outro, parecia um macaco, corpo de macaco, jeito de macaco, branco, de olhos verdes. O mais sexuado de todos cuspia enquanto falava, por isso, por anos, ela carregou uma sombrinha. À noite, quando se deitava, claro, fechava a sombrinha, mas o dia todo era para pensar só no incômodo. Hoje, não carrega mais. Por isso, o sol castigando o rosto, castiga, castiga, dizia. Cismou em falar de sua vulva, com ela, xingava os passantes. Sentei-me um pouco mais para a ponta do banco.

Ela disse-me que todos eles, sem saltar um, todos eles tinham alguma coisa a mais ou a menos, que parecia realçar, alguma coisa feia, alguma coisa fora do que ela gostaria que fosse. Muito corpo, pouco corpo. Muito cabelo, careca formato "bola de cristal". 

Então, ela pegava a sua vulva e xingava o mundo, segurando-a entre as saias do vestido. Agarrava com os dedos e tentava elevá-la.

Ela questionou-me, "Não haveria um só, pelo menos um, que ela olhasse de cabo a rabo e se sentisse satisfeita?"

Não tinha ilusões, exceto um sabugo de milho na bolsa, disse. 

Haveria de existir neste raio de mundo sem fim um homem que não cheirasse a outro homem, que não fosse sempre alguma coisa a faltar ou a sobrar? Um homem sem necessidade de interpretação, puro, raso, o suficiente. Para ela, o que bastava era olhar e não se deparar com coisa alguma que tivesse que desviar, esse seria o suficiente.

Na praça, ela sentou-se mais para perto de mim. Estendi o olhar. Vi lá longe pessoas passando. Enorme miopia emocional tomou-me de assalto. Sim, eu era "sem dente".

Por Suzana Guimarães