(arquivo pessoal de Suzana Guimarães) |
quinta-feira, 3 de julho de 2014
Sobre o meu tempo
Eu não tenho tempo, que bom que eu não tenho tempo. Eu o faço, todos os dias, porque todos os dias coisinhas me chamam, gritam, clamam por mim. Não tenho alguém para me ajudar - ou, melhor seria, fazer por mim - nas tarefas cotidianas, rotineiras, rasteiras... Tenho dois filhos em idades muito distintas e um é adolescente; o outro é criança ainda. São de sexos e temperamentos diferentes; um é pacífico, é fim de tarde ou manhã solitária na beira da praia; a outra é um vulcão em atividade, bruxinha faceira que ri de mim e me dá nó. Eu não tenho tempo, eu o faço por mim, e nesse movimento, vivo a me perder, perder de mim mesma, contudo, essa perda é fantástica, melhor que embriaguez leve. Eu não tenho tempo porque não o acumulo com coisas que emperram - porque eu tenho pressa - e por sentir algum remorso e necessidade de tampá-las a todo instante. Ou porque vivo a desviar da seta apontada.
Eu não tenho tempo porque tenho a mim e carrego dois, prazerosamente. Eu não tenho tempo porque as pessoas já não podem mais me iludir ou manipular-me.
Esse tempo, que invento, que é meu, eu o gasto, muito de vez em quando, escrevendo. Eu escrevo porque descobri que decidi viver sozinha, bem escondida, e soltar-me também, claro, aos ventos, ao momento, mas eu misturei tudo. Sou um livro aberto, qualquer um pode me ler, porém, sou um livro sem índice, sem ordem, sem começo, meio e fim, que não lhe dá a chance de distinguir realidade de ficção.
Tudo, simplesmente, porque eu passei a não ter tempo...
Por Suzana Guimarães