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Sobre contos e pespontos

Entre um conto e outro, alguns pespontos. Preciso dos pespontos para manter o principal equilibrado e firme. Preciso todo o tempo... Aprendi a pespontar quando a minha mãe me ensinou a fazer flores. Não, não se aprende a pespontar quando se faz flores. Essas apenas me lembram a minha mãe que me ensinou a pespontar os arranjos que a vida nos dá.



domingo, 6 de janeiro de 2013

MEU NOTURNO É VOCÊ # 2



Um poeta me disse que somos pouco, escassez, quando ele nos leu, ontem, numa ensolarada manhã, debaixo de vinhas. Ele escreveu também: "tudo no mundo é expectante, sobretudo, nas vinhas, que se embriagam antes de nos embriagar."

Eu, que queria ser poeta, bailarina, amante do rei, eu, que pouco consigo além de minhas palavras, que junto, remendo, podo, corto e desprezo e amo, e também faço desprezar e odiar, não tenho nem as vinhas para um pouco do cheiro delirar, o repouso do guerreiro, a Lua dos amantes, a instabilidade do cigano e não provei as delícias do paraíso para poder lhe dizer, ' venha'.

O poeta sabe de nós e ele nunca nos viu. Psiu! Faça segredo. Já não somos dois, somos três a saber do nosso pouco. Sim, deixo-lhe em dor? Somos pouco, pouco, um fiapo de pano voando ao vento, um casal de pássaros que perdeu o ninho e, destroçado, não aceita outro... Ninho? Nós já tivemos ninho? Nós nunca fomos pássaros (apesar de nossos voos), nunca fomos um casal (apenas encontro) e jamais nos aninhamos (apenas nos tocamos, aninhar é amar). Foi tudo efêmero, enganosa embriaguez, igual à das vinhas, nós, mortos na expectativa.

As areias da praia nunca ouviram falar de nós,  nem as chuvas fortes (aqui, nem chove!), e as vinhas nunca saberão porque viramos ostras.

Prefiro a ostra ao pouco. Não faremos um mosaico:
Hoje, a gente ri. Amanhã, você nem me vê.
Hoje, eu fecho a cara. Amanhã, você puxa conversa.
Hoje, você estende a mão, amanhã, não!

Eu andei muito, venho andando há tanto tempo, sou a anciã mais velha, a primeira ossada dos elefantes, um mapa que nem mais existe. Sou dentro de mim, uma estrada sem fim, que só incomoda,  só incomoda... não caibo em pouco, não o quero pouco, quero-o todo, corpo, alma, pele e coração.

Beba então, cálice após cálice, noite após noites, infernais anos, beba o único bem que possuo além da nossa oculta memória. Beba o som noturno que a minha palavra faz em você.



Por Suzana Guimarães