(Fotografia gentilmente cedida por Thelma Ramalho) |
Los Angeles, 5 de fevereiro de 2013.
Querida Lunna,
Fevereiro arde em febre e eu estou em pleno inverno. Você então me perguntaria: febre boa ou má? A febre da paixão ou a da dor, dos remédios, da farmácia? Nenhuma delas, Lunna, sinto febre do desterro. Desterrada está aquela velha mania de aguçar apetites. A poeta maior queria a fome, eu também já quis, agora eu quero a digestão da ilusão.
Lunna, como viver com os pés ligeiramente acima do chão se todo dia um dos pneus do carro fura? E todo dia você pensa em não se esquecer da agenda, e todo dia você esquece os mesmos números que nunca decora. O peixe no aquário morrerá de fome, e eu me questiono se passarei pendurando roupas no varal à 1 da manhã. Será para sempre? Antes, eu falava muito 'merda', agora, falo 'meleca', antes a palavra saía num xingo, a de hoje sai arrastando. A mais banal das minhas ações demora de quinze dias a um mês para ser finalizada.
O cavalo com viseira perde a beleza do caminho, mas trabalha melhor. Parece que se você colher rosas, o mundo paralizará. Será mesmo? Bom, isso é o ensinamento atual. É pra correr, Lunna, correr bastante. Dona Silvinha, toda tarde, sentada, vendo a mesma rua feia de 50 anos, na mesma cadeira, no mesmo lado da varanda é coisa obsoleta, isso não existe mais.
Só que outro dia, eu parei meu carro em frente a uma casa, desci dele, vi uma mulher aguando as plantas do jardim, depois, duas horas depois, voltei, e a vejo sentada olhando a rua, um pedaço de rua bem feia, calçada de cimento, espaço vazio de gente e carros e do outro lado um muro que nada diz. Lunna, minha inveja rasgou-me do peito aos pés...
Às vezes, eu abro um espaço, deixo alguém entrar, mas isso vem rareando, as bençãos de ouro se vão sem que eu possa controlar o fato. Houve um tempo em que tudo era magia da pouca idade, mas, nós, eu, pelo menos, preocupei-me com o controle do fluxo das coisas... e fiquei, à margem da vida, numa contagem absurda. Eu contava tudo: dinheiro, desejo, número de meias e amigos. E, agora, nada mais sei, perdi a contagem, perdi o absurdo... bons tempos aqueles, porque, hoje, não detenho mais nada, nem eu mesma, sequer meu paladar, meu gosto pela vida.
Por Suzana Guimarães