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Sobre contos e pespontos

Entre um conto e outro, alguns pespontos. Preciso dos pespontos para manter o principal equilibrado e firme. Preciso todo o tempo... Aprendi a pespontar quando a minha mãe me ensinou a fazer flores. Não, não se aprende a pespontar quando se faz flores. Essas apenas me lembram a minha mãe que me ensinou a pespontar os arranjos que a vida nos dá.



domingo, 31 de março de 2013

QUANDO UMA MULHER VIRA POLVO

Arquivo pessoal de Suzana Guimarães


Que desastre, o meu grande amor do passado ficou feio! Eu não o vi enfeiando, eu o vi ontem, após décadas. Eu teria dado dez anos da minha vida para estar ao lado dele, aguando violetas na beira da janela da nossa casa. Ontem – de que me importam datas? – eu sonhei com ele, e, no sonho, altamente desejável que fosse realidade, ele era aquele, aquele que lá para trás desprezou meu interesse de menina de 15 anos. Com o atual, não quero nem um esbarrão na esquina...
E você fica aí, em sua eterna pretensão de macho, o espetacular. Enquanto nós mulheres nos recriminamos diante do espelho do banheiro, você se vê o próprio leão da Metro, mesmo que a realidade seja outra.
Eu amo os homens, não, eu não amo os homens, eu amo o fato de me sentir interessada. E isso significa esperar respostas, comprar discussões, às vezes até chantagear. Eu não amei homem nenhum e posso provar. Diz quem já ouviu minha voz dizendo “eu te amo”. Diz, quem puder dizê-lo. Eu amo a troca, a espera, eu amo aguardar a resposta somente pelo prazer de responder e, para isso, sou imediata.
Sou imediata para a dança que enfeita o amor. Porém, sou lenta para descrer, e foi descrendo que cheguei ao ponto atual.
Falta-me tempo para você, só isso. Talvez, eu aceitasse bem sua feiura, os defeitos de todos, pois a beleza há tempos me abandonou. Se há algum frescor, só se for o do meu hálito rindo de si, na sua cara.
Não posso mais me perder à procura de pelos inconvenientes em meu corpo. Já perdi o jeito de pintar as unhas. Pago alguém para fazer por mim. Porém, isso não me contenta. Eu amava meus momentos. Não leio, não brinco, não perco hora, não faço sexo, nem trepo. Virei polvo.
Na quarta-feira passada, eu segurava um par de tênis número 21 - porque era preciso trocar o que estava nos pés da criança e não havia tempo ao sair de casa - segurando minha bolsa, duas mochilas, um buquê de flores e uma caixa de bombons para a professora aniversariante. Mais o lanche da manhã, num saco de papel, que seria comido dentro do carro, logo após a troca dos tênis. Blusas de frio, o saco de lixo que fedia na cozinha e as chaves para abrir e fechar portas. Entendeu?
Sinta-se então não o leão da Metro, mas um homem que pode ser admirado por uma mulher, no caso, eu, porque eu sei agora que toda quarta-feira pode ser sempre a mesma, de quarta a quarta.  Sinta-se homem, só isso. Sinta-se o escolhido, nasci para escolher, meu querido, está na minha natureza a escolha do macho, pois carrego apenas um óvulo para ser fecundado e, se, por lá, ele estiver no lugar e hora certos. Então, sou rigorosa, mesmo que você seja o mais tolo de todos os tolos, pois, o poder de escolha cabe a mim.
Se possível, venha e me passa o copo que está na prateleira, já que você está em pé e mais perto.


Por Suzana Guimarães.