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Arquivo pessoal de Suzana Guimarães |
Que desastre, o meu grande amor do passado ficou feio!
Eu não o vi enfeiando, eu o vi ontem, após décadas. Eu teria dado dez anos da minha
vida para estar ao lado dele, aguando violetas na beira da janela da nossa casa.
Ontem – de que me importam datas? – eu sonhei com ele, e, no sonho, altamente
desejável que fosse realidade, ele era aquele, aquele que lá para trás
desprezou meu interesse de menina de 15 anos. Com o atual, não quero nem um
esbarrão na esquina...
E você fica aí, em sua eterna pretensão de macho, o
espetacular. Enquanto nós mulheres nos recriminamos diante do espelho do
banheiro, você se vê o próprio leão da Metro, mesmo que a realidade seja outra.
Eu amo os homens, não, eu não amo os homens, eu amo o
fato de me sentir interessada. E isso significa esperar respostas, comprar
discussões, às vezes até chantagear. Eu não amei homem nenhum e posso provar.
Diz quem já ouviu minha voz dizendo “eu te amo”. Diz, quem puder dizê-lo. Eu
amo a troca, a espera, eu amo aguardar a resposta somente pelo prazer de
responder e, para isso, sou imediata.
Sou imediata para a dança que enfeita o amor. Porém,
sou lenta para descrer, e foi descrendo que cheguei ao ponto atual.
Falta-me tempo para você, só isso. Talvez, eu aceitasse
bem sua feiura, os defeitos de todos, pois a beleza há tempos me abandonou. Se
há algum frescor, só se for o do meu hálito rindo de si, na sua cara.
Não posso mais me perder à procura de pelos
inconvenientes em meu corpo. Já perdi o jeito de pintar as unhas. Pago alguém
para fazer por mim. Porém, isso não me contenta. Eu amava meus momentos. Não
leio, não brinco, não perco hora, não faço sexo, nem trepo. Virei polvo.
Na quarta-feira passada, eu segurava um par de tênis
número 21 - porque era preciso trocar o que estava nos pés da criança e não
havia tempo ao sair de casa - segurando minha bolsa, duas mochilas, um buquê de
flores e uma caixa de bombons para a professora aniversariante. Mais o lanche
da manhã, num saco de papel, que seria comido dentro do carro, logo após a troca
dos tênis. Blusas de frio, o saco de lixo que fedia na cozinha e as chaves para
abrir e fechar portas. Entendeu?
Sinta-se então não o leão da Metro, mas um homem que
pode ser admirado por uma mulher, no caso, eu, porque eu sei agora que toda quarta-feira pode ser sempre a mesma, de quarta a quarta. Sinta-se homem, só isso.
Sinta-se o escolhido, nasci para escolher, meu querido, está na minha natureza
a escolha do macho, pois carrego apenas um óvulo para ser fecundado e, se, por
lá, ele estiver no lugar e hora certos. Então, sou rigorosa, mesmo que você
seja o mais tolo de todos os tolos, pois, o poder de escolha cabe a mim.
Se possível, venha e me passa o copo que está na
prateleira, já que você está em pé e mais perto.
Por Suzana Guimarães.