Ilustração por

Sobre contos e pespontos

Entre um conto e outro, alguns pespontos. Preciso dos pespontos para manter o principal equilibrado e firme. Preciso todo o tempo... Aprendi a pespontar quando a minha mãe me ensinou a fazer flores. Não, não se aprende a pespontar quando se faz flores. Essas apenas me lembram a minha mãe que me ensinou a pespontar os arranjos que a vida nos dá.



domingo, 28 de outubro de 2012

SOLIDÃO DE VOCÊ

(fotografia, por SCG)
 
(...) Virei aquele ser que se mimetiza ao sítio, mas não pertence a ele. Adapto-me à força. Não sou de lugar nenhum, sou sua, apenas isso. Só você para me salvar dos outros e de mim mesma. Eu vivo correndo, como foi o meu pai, e você o salvava e você o salva, da mesma forma eu preciso ser salva, diariamente.

Faço de tudo para não pensar em você, para ser do lugar, viver o momento, mas meus esforços são puro fracasso. Vejo-a nas vitrines, nas senhoras que passam do outro lado da calçada, nas minhas mãos, na xícara de cafezinho. Vejo você no tempo, no nada, na visão à frente, no espaço à minha frente, o chão, o céu, o vento, o caminho que estou indo caminhar, como se você fosse o rosto enorme do mundo a me olhar.

Eu lhe conto coisas, amarguras, alegrias. Eu rio com você, mas tudo é só solidão, sou apenas uma tonta que não sabe viver.

Tenho medo de lhe perder, mais do que já perdi, no dia em que o silêncio de oratório for a minha única verdade. Tenho medo de desprender-me da razão, do fio, da linha tênue que me separa da total insensatez.

Parece que fiquei feia, sem graça, tirada dos engonços. Os dias correm e eu corro junto com eles, trepidando, feito cristais numa prateleira que vagarosamente despenca.
 
Por Suzana Guimarães