Ilustração por

Sobre contos e pespontos

Entre um conto e outro, alguns pespontos. Preciso dos pespontos para manter o principal equilibrado e firme. Preciso todo o tempo... Aprendi a pespontar quando a minha mãe me ensinou a fazer flores. Não, não se aprende a pespontar quando se faz flores. Essas apenas me lembram a minha mãe que me ensinou a pespontar os arranjos que a vida nos dá.



quinta-feira, 18 de outubro de 2012

VOLÚPIA

  
Houve um tempo em que ela não fechava os olhos nas madrugadas porque a novidade batia à porta e lhe fazia desejar, recordar, querer mais. Ou não. Às vezes, negar era melhor. Mas, ela não fechava os olhos. Hoje, ela, após derrubados todos os deuses mofentos, também não fechou os olhos. Não, foi ontem. Quando foi? Importa? Há quem impregna o outro sem o toque da aventura, apenas transmite.

Era noite pois tudo era escuro, escuros os olhos dele, escuro fundo de fundo de um poço, obscuros desejos, porém, leves... aroma leve, leve, aura envolvente. Impregnada, ela ficou e guardou. Carregou para casa o etéreo, inodoro, impalpável, invisível.

Quase errou a rua, quase perdeu o rumo, quase não voltou para casa. Ah, se ele a chamasse!

Mas ele não chama, ele olha, ele perfuma, ele deixa o odor no corpo dela, sem lhe tocar.

Ah, se ele a tocasse!

Mas ele não toca, ele não foge, ele não corre. Ele olha, permanece. Ele é um cheiro sem cheiro, ele é volúpia, ele se estende pelas ruas, calçadas, entra no carro com ela, atrás dela, ao lado dela, dentro dela. Ela mal respira, economiza ar para carregá-lo por mais um minuto, dois, horas, uma ou três; por madrugada adentro.

por Suzana Guimarães