Ilustração por

Sobre contos e pespontos

Entre um conto e outro, alguns pespontos. Preciso dos pespontos para manter o principal equilibrado e firme. Preciso todo o tempo... Aprendi a pespontar quando a minha mãe me ensinou a fazer flores. Não, não se aprende a pespontar quando se faz flores. Essas apenas me lembram a minha mãe que me ensinou a pespontar os arranjos que a vida nos dá.



domingo, 17 de novembro de 2013

E fica você aí, sorrindo para mim...



E fica você aí, sorrindo para mim, homem dos dias que espero, dias cinzas. Você não sabe, mas por aquela porta pensei inúmeras vezes não passar, nem naquele terreno assentar, nem em seus cabelos bolinar. Dos dias que espero, ninguém nada sabe, seria a terceira noite, e uma certa bruxa velha sorriria. Todos sorririam, seria festa, mas eu não quero. Convidaram-me para sete casamentos, enviaram uma chave, cor marfim, endereçada a mim, hesitei, hesitei, para enfim guardá-la... pela força do hábito, pela constância da busca, por minha eterna insensatez.

E fica você aí, sorrindo para mim, homem dos dias que me ganham, cinzas. 

Mas, é tarde, cansei dos intensos matizes, das bromélias imortais, dos pássaros que decoram o itinerário. O sopro das minhas tolas vontades abrasou a terra seca e também aquele país úmido e cálido. Queimou-se a última tocha, até o fim. Eu sei, fiquei lá para ver, para ter certeza. Sobrou um monte de cinzas, de um outro tipo, que me desgosta, que me retira do caminho.

E fica você aí, sorrindo para mim, em cima dessas cinzas. 


Por Suzana Guimarães

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Se um dia você vier



Raíssa Medeiros

Se um dia você vier, avisa antes. Não fala nada, mas não deixa de olhar em meus olhos se há ainda algum amor. Mesmo que não mais veja o tanto que viu antes, fica. Não faça alarde sobre nada e nem faça segredo. Caminha suave, e não me dá notícias de seus dias. 

Aproxima-se e diz que se perdeu pelo caminho. 

Se um dia você vier, venha manso, falando baixinho, como se cochichasse num casamento em um templo. Diz que se arrependeu de ter me deixado por tanto tempo esperando-o. Diz que sou sua e que você sempre foi meu.

Aproxima-se como se tivéssemos nos visto, ontem. Não se esqueça de prestar atenção em meu olhar, curva-se, se preciso for, só para ver, para constar, para ter frágil certeza.

Se um dia você vier, eu lhe direi toda a minha mágoa, sem pronunciar uma palavra. Direi do meu cansaço e apontarei as portas que nunca mais abri.

Se um dia você vier, procura por mim, que sempre estive ao lado seu.


Por Suzana Guimarães.



sábado, 2 de novembro de 2013

A única coisa que você me deixou...

(Suzana Guimarães - arquivo pessoal)

A única coisa que você me deixou foi a eterna lembrança em algumas músicas... Não foram apenas duas ou três fotografias, nem seu olhar, sua altura inatingível, sequer os poemas feitos nas madrugadas perdidas ou suas homeopáticas doses de compreensão. Não foi a memória de seu corpo bem trabalhado, nem a tatuagem em forma de asas, muito menos a sua verborragia. Não foi a excitação deixada por sua barba ou o irresistível cavanhaque, muito menos, sua docilidade, nem os ventos calmos ou turbulentos que passavam entre mim e você. Não foram seus e-mails e nem seus profundos silêncios... suas respostas às vezes rápidas, às vezes, frágeis.

Não foram duas ou três fotografias, foi mesmo amor, e uma casa se montou em cores de recomeço, eterno recomeçar.

Não foram duas ou três fotografias, e outra casa voltou ao mofo e ao jogo, quem dá menos?

Não foram duas ou três fotografias e o tempo que contou, a cumplicidade e o reflexo.

A única coisa que você me deixou foi um pouco de você no conjunto das coisas dos outros.


Por Suzana Guimarães