Ilustração por

Sobre contos e pespontos

Entre um conto e outro, alguns pespontos. Preciso dos pespontos para manter o principal equilibrado e firme. Preciso todo o tempo... Aprendi a pespontar quando a minha mãe me ensinou a fazer flores. Não, não se aprende a pespontar quando se faz flores. Essas apenas me lembram a minha mãe que me ensinou a pespontar os arranjos que a vida nos dá.



segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O ABSURDO DA MINHA FÉ


fotografia, por SCG

Eu nunca soube que a minha fé beirava ao absurdo. Recordo-me o caminho há tanto tempo percorrido, num tempo vago onde o absurdo da crença não me deixou somar. Eu vinha por esse caminho, na mão, um prato de louça branca e eu tonta em minha andança não percebia o vaivém das esferas, ervilhas, feijão verde?, que escorregavam sem contudo lançarem-se para fora dele. Eu carregava o prato. Eu amassava as esferas tenras, esmagáveis e chorava. Ao longo do extenso caminho, chorei e o chamei. Fiquei tanto tempo chorando, chamando, que não percebi que estávamos próximos. No absurdo da minha fé, eu o vi passar, trajava calça e camiseta, uma imagem em preto e branco. No teu peito, vi janela aberta, olhei: vi tudo aquilo que eu sabia iria ver. A mim, por essa janela, também me vi, eu, a verdadeira, não-metamorfoseada. Vestida em vestido de saia godê, aquele mesmo de sempre, igual ao da minha mãe, igual ao da minha tia, igual às moças da época, anos 30.

Numa época perdida para trás, possivelmente essa absurda fé levou-me à prisão num poste, eu não preenchia à verdade ou modelo estabelecido. Numa época perdida para trás, eu vivi a me perder de ti. E a ti procurei e montei imagem bem próxima do que tu és. Peguei feição, formato, cor e texturas alheias, montei tudo na figura que tu apresentas agora para mim, ao passar por mim, na calçada, mãos no bolso, cabeça baixa, procurando achar, por acaso, brilhantes em anéis, quem sabe tão perdidos e solitários feito você.

Eu nunca soube que a minha fé beirava ao absurdo. Eu nunca soube o que veria por detrás daquela janela aberta. O absurdo dela empurrou minha cabeça para dentro de ti e quando dei por mim, havia entrado o corpo todo. Entrei e me sentei, exausta da andança, perplexa com o cenário, tantas vezes idealizado. Puxei para mim, o que mais próximo se encontrava, a saudade, um manto que me cobre, num inverno eterno.

                                                     por Suzana Guimarães (LILY)

 

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

MELHOR ASSIM

fotografia, por SCG

Perco-me em teus endereços. Perco-me em tua pressa, em tuas mãos afoitas, apressadas de mim. Toma tempo. Toma descanso. Sinta-me. Respira-me. Não se agite tanto, não se mova tanto, faz silêncio, recoste-se na borda desta história. Toma teu sagrado endereço, aquele que não alcanço. Aquele que não descubro. Aquele que você mesmo deixou largado e perdido dentro do bolso do casaco.

(Suzana C. Guimarães)


domingo, 21 de novembro de 2010

ÁGUA TROPICAL


fotografia, por SCG
                          
Você passa, eu olho e me molho
Você jamais entenderá
Você, filho do deserto
embalado em secos lençóis
Você entra, eu molho e me moldo
pois sou filha dos trópicos

das águas que anunciam de imediato
enxurrada deslizantes tempestades
pássaros voam baixo
pestes e divindades
torrenciais de água abaixo
atropelos... 
cargas que inundam cidades

Respingo em ti
minhas águas
de tão úmida e aguada 
Você passa, eu olho e aguardo
ponho-me de molho
Quero que você se umedeça em mim
Sinta cheiro de terra molhada

(Suzana Guimarães)

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

UMA CASCA DE NOZ... (DE NÓS?)


PRESENTE QUE GANHEI DO MR. CHAPELEIRO

  

Obrigada, meu querido, por tão lindo presente, feito especialmente para mim!


(Já não toco mais o Atlântico, mas as palavras ficaram eternas em velhos arquivos)


UMA CASCA DE NOZ... (DE NÓS?)

Casca de noz
Vaga nas águas mornas
Do Atlântico
Sou eu
Vocês podem ver?
Não, sou singela demais
Pequena e trêmula embarcação
Que vaga à deriva
Sem nação
Você pode ver?
Não, apenas as crianças
Levadas pelas mãos
Tão puras e libertas
Elas me virão
Lá do alto
Do doce algodão


Veio a criança
De cachos loiros
Em seus dedos
Meu destino
Brincando de almirante
Me fazendo de amante
Revirou minha casquinha
Mudou minha rota
Naufragou minha frota


E fiquei ainda mais só


Casca de noz
A vagar
Livre por entre as águas
Perdida e achada
Ora em águas quentes
E salgadas
Ora em águas frias chuvadas
Que desaguam
Revirada
Pelos ventos
Tão mornos
Tão mansos
Saídos dos lábios da criança
Que ri
Se delicia
Me ama


E o oceano já não é assim tão só...

(Suzana Guimarães)

terça-feira, 9 de novembro de 2010

ELA, A ESPINGARDA, A VARA DE MARMELO E EU

ilustração, R. Meneghini
                                                                      

                                                Suzana C. Guimarães

                                                (#2 da saga)

Ela não me via. Acredito que fingia não me ver. Algo em mim e em meu irmão a irritava. Ir para aquela casa, lá dormir, lá comer, lá respirar pó e maldade era o purgatório, mas não tínhamos opção, meu irmão, minha mãe e eu. Eu andava pela casa evitando me encostar nas paredes, nas janelas, nas mesas, tinha medo. A menina, a filha da vizinha, passava boa parte do dia lá. Ela e a menina eram amigas e a menina aprendeu a pegar na xícara levantando o dedo mindinho. Na nossa mão direita, ela pegava, quando chegávamos, com as pontinhas do dedo, bem de leve, toque de barata. A menina e ela conversavam cochichando, eu ouvia ao longe, vozes sumidas, saindo dos quartos proibidos. Creio que ela ensinava a menina a fumar cigarro mentolado. Fino, elegante.

Eu não me lembro bem, a minha memória se perdeu naquela casa, antes que ela tombasse ao chão depois de uma devastadora enchente. Mas eu recordo sons, luzes, vozes e ventos silenciosos. Eu me recordo de que ela não tinha sangue de barata correndo nas veias, de barata apenas os cumprimentos flácidos. Dedos leves, frios, nojentos, tocando minha mão de leve. Eu recordo, Conceição lavando panelas na bica. Conceição esfregava as panelas de alumínio com areia branca, polia, esfregava, enxaguava, até que elas brilhassem feito espelho, enfileiradas na grama, por sobre as pedras ao redor, brilhando de doer os olhos.

Eu me recordo da espingarda e da vara de marmelo penduradas na parede. Qual parede? De qual cômodo? Não sei, não me lembro. Meu irmão deve se lembrar, ele é mais velho que eu. Recordo as palavras, o dedo pequeno apontando para o alto. A ameaça. Meu irmão e eu evitávamos então o contato, o estar próximo. Ameaças. Ameaças.

A menina, filha da vizinha, fazia candonga. A menina gostava de ver o circo pegar fogo. A menina gostava de ver o quanto era estimada por ela. Um dia, ela veio atrás de nós, com a vara de marmelo em punho. A vara que corrigiu toda a família. A vara que não quebrava nunca, mesmo após várias chibatadas. Nós corremos, eu não corria, eu voava atrás do meu irmão. Eu o tinha, eu faria o que ele fizesse. Subimos o morro do santuário da casa do purgatório, o quintal. Mangueiras, ameixeiras, flores e mais flores, uma mata que beirava a estrada, lá em cima onde passava o córrego. Conceição viu quando passamos correndo. Acendeu o cigarro de palha e olhou para o céu. As panelas já estavam quase secas pelo Sol.

Subimos o morro e ela atirou. Sim, a morte sempre me rondou. Poucos anos antes, eu, por muito pouco, parei de respirar, de medo, diante de um homem com uma faca na cintura, perguntando por meu pai, dizendo que ia matá-lo. Mas, eu era muito criança, e na minha cabeça, quem ia morrer naquela hora era eu. Lembro-me da minha boca seca, meus olhos parados, fixos, lembro-me da cara dele, vermelha, e do cheiro de aguardente que saía daquela boca suja. A morte mantém um relacionamento comigo que nunca entendi. Hoje, penso se é de respeito, falta do que fazer ou atração por mim, ânsia de estar em minha companhia, sem contudo desejar me levar. Naquele dia, lá no alto do morro, ela atirou com a espingarda. Eu nunca soube se a distância estava a favor dela ou não. Eu nunca soube se ela tinha pontaria. Eu sei que ela trocou a vara de marmelo pela espingarda. Hoje, questiono-me sobre o que sei sobre uma arma apontada para mim. Hoje, já mulher, pois o ato, aqueles atos, perpetuaram-se na minha memória, acomodaram-se em minhas entranhas, fazem eu pensar que tudo pode acontecer por muito pouco.

Onde estaria a menina, a filha da vizinha, naqueles minutos? Rindo pelos cantos sujos da casa? Eu nunca saberei. Eu sei que gritávamos para ela parar e Conceição passou várias vezes por ela, carregando as panelas para dentro de casa. Não me lembro de mais nada. Com certeza, a minha mãe deve ter aparecido, deveria estar na rua, fazendo compras, visitando alguma amiga. Com certeza, a mata sagrada foi mais forte que ela, nos protegeu com seus troncos largos, com seus mistérios, seus sons. Com certeza, a morte pitava um cigarrinho de palha, divertindo-se com a audácia da outra.

3 selos em 72 h e 1 verso

SELO LUA NOVA


Em 72 h, recebi três selos!

O primeiro selo recebi do Lufe, http://butecodolufe.blogspot.com/. O segundo chegou voando, veio da Lu, http://vivaagora.blogspot.com/. E, hoje, recebo outro, esse gato negro de olhos claros, azuis ou verdes, não importa, mirando-me, debaixo dessa Lua de bruxa em perfeito mistério com o negrume da noite (negrume dos meus desejos). Quem me enviou essa beleza foi a Sandra, http://dajaneladogardenplace.blogspot.com/.

A Sandra nada escreveu sobre regras a seguir. Então, farei uma única homenagem, a um menino de 11 anos que gosta de magias e de ler e escrever. Deve ser meu sangue (o pouco que seja) que corre naquelas veias, naquele coração. O primeiro livro que dei a ele, livro mesmo, com longas histórias infantis, lindamente ilustrado, foi há alguns anos. A mãe dele me disse que, toda noite, após o banho, ele pegava o livro no armário (escondido a sete chaves por causa do irmão menor), e, de pijama, recostado em almofadas, ao lado de luz de abajur, ele lia.

Que você, menino com nome de anjo, leia. Leia sempre (e escreva), pois o teu avô certa vez me disse: "podem lhe tirar tudo nesta vida, nunca a sua cultura. A sua cultura é sua, ninguém lhe toma e nunca pesará, é o teu maior bem."

Dedico então, a meu querido Mr. Chapeleiro, esse selo.

http://contosfabulas2.blogspot.com/


Numa segunda parte desta publicação deixo-lhes um verso:


Ele disse
esperarei sentado
causa mortis
Morreu mofado

(Suzana Guimarães)

domingo, 7 de novembro de 2010

A TI, PROXENETA DE SI



ilustração, R.Meneghini
 

Prostituídas palavras
que a mim diriges
Perfídia, ruínas de ti
que escambas
Recuso-te
Não te compro
em tuas palavras,
Tu vendes a ti
o que eu a ti diria?
Insignificantes insígnias
irritantes
ínfimas
moedas que me atiras
em tua cisma cafetina
perdes a minha estima
 
(LILY, por Suzana Guimarães)

sábado, 6 de novembro de 2010

PRÊMIO DARDOS

PRÊMIO DARDOS


  PRÊMIO DARDOS

O Prêmio Dardos é o reconhecimento aos ideais que cada blogueiro emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc, que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, e suas palavras. 


Esses selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre os blogueiros, uma forma de demonstrar o carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web.


O Lufe, do Blog “BUTECO DO LUFE”, http://butecodolufe.blogspot.com, me honrou com essa homenagem.


O Prêmio Dardos tem as seguintes regras: exibir a imagem do Selo no Blog; revelar o link do Blog que me atribuiu o prêmio; escolher blogueiros para premiar.


Gostaria de esclarecer aos amigos que esta é a primeira vez que recebo um selinho e sigo as regras do jogo. Com enorme alegria, recebi vários selos, que estão devidamente postados próximos às mini fotos dos meus amigos em meus dois Blogs. Mas, ao quebrar as regras, não indiquei ninguém. Chegou a hora de eu homenagear alguns blogueiros, pois esta vida é avenida de mão dupla, não dá para ficar apenas recebendo.

Indico os seguintes Blogs:

1. CRÔNICAS DE UM BRASILEIRO, de Wolber Campos.
http://cronicasdeumbrasileiro.blogspot.com

Justificativa: Um brasileiro que acredita em seu país. Wolber é um dentista que percorre o Brasil que ninguém vê. É o "cara" que age, que faz. É a concretude. É a certeza onde houve dúvida, falta de coragem, falta de atitude em muitos, em mim, inclusive, de se propor à jornada que ficou apenas sonhada.


2. TEATRO DA VIDA, de Lara Amaral.
http://laramaral-teatrodavida.blogspot.com

Justificativa: Jornalista, atriz, essa moça sabe escrever, e escreve sobre temas diversos. Lutadora. Esforçada. Sensual. Caça as palavras e as doma com maestria.


3. BLUE, de Roberto Meneghini.
http://robertomeneghini.blogspot.com

Justificativa: Sou suspeita para falar dele, mas dou a ele o prêmio Dardos pela ilustração, a mais bela e poética que vi nos últimos tempos, VARAL DE FLORES, um encanto de se ver e sentir.


4. VIVA AGORA, de Lu.
http://vivaagora.blogspot.com

Justificativa: Jornalista, essa moça encanta, se faz presente em todos os cantos. Fotografa e escreve muito bem, com sentimento e destreza. Seus comentários nos Blogs dos amigos é pura poesia e força. Incentivo. Paixão.


5. A LUZ AFLORA ONDE NENHUM SOL BRILHA, de Leo.
http://umolharsonhador.blogspot.com

Justificativa: eu pouco sei desse moço. Eu sei que o Blog dele para mim sempre foi um jardim japonês, pela leveza, beleza, cuidados e tratos. Imagens bem escolhidas fazem parceria às conchas que ele cata nas praias do mundo e enfeita os canteiros poéticos.


6. BUTECO DO LUFE, de Lufe.
http://butecodolufe.blogspot.com

Justificativa: se o Blog dele não prestasse, eu simplesmente diria "obrigada pelo selo"e ia embora atrás dos meus eleitos. Mas, o Blog é mescla de informação política, econômica, social, comportamental com piadas, avisos, alertas, risos e lágrimas. Quando lá estou, lendo as publicações e os comentários dele e alheios, sinto-me num buteco de Belo Horizonte, de tão real que tudo é.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

LANGOROSO GOZO



Lânguido

olhar a me perscrutar

na órbita negra fixar

não nego-te

Amacio-te um olhar

Lânguido respirar

a me desnudar

não recuso-te

retribuo sem ar

Lânguido o que penso

tão lânguido e remoto

desejo teso

Lânguidas

promessas a nos tocar

contidas em voo lento de olhar


(LILY, por Suzana Guimarães)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

ESTRANGEIRA LÍNGUA

fotografia, por SCG


As roupas foram saindo de dentro pra fora
Primeiro as menores
Após um tempo curto e roto
Ele alcançou as maiores

As palavras foram saindo de dentro pra fora
de forma benigna
A língua batia diferente
no céu, entre dentes
na boca que ela abria

Os olhos foram mirando de dentro pra fora
um pouco dele
um pouco dela

A bata saiu por último
Antes do bater dos joelhos dele no chão
Antes do som que aquela língua emitia
Antes do entorpecimento da razão

Ele olhava a língua
(que) enrolava-se por dentro, entre risos dela
Ele contemplava
mais que um continente
mais que um rio
um mundo
mais que duas terras

que se encontraram de fora pra dentro

(LILY, por Suzana Guimarães)


 
 
NOTA: Voltarei a escrever aqui, no CONTOS DE LILY. Aqui, as palavras, os textos, a intenção, as emoções, tudo, tudo mais tranquilo. LILY é leve, escreve pouco e não quer saber de cutucar suas próprias feridas e as alheias. Em 2011, com certeza, voltarei a escrever no Blog O MEDO DE SUZANA. Voltarei descansada, refeita, amadurecida... cheia de tapas e beijos. Suzana