Ilustração por

Sobre contos e pespontos

Entre um conto e outro, alguns pespontos. Preciso dos pespontos para manter o principal equilibrado e firme. Preciso todo o tempo... Aprendi a pespontar quando a minha mãe me ensinou a fazer flores. Não, não se aprende a pespontar quando se faz flores. Essas apenas me lembram a minha mãe que me ensinou a pespontar os arranjos que a vida nos dá.



domingo, 15 de fevereiro de 2015

Anjos pela Terra...



(fotografia: Suzana Guimarães - novembro de 2014)


Naqueles dias, não sei se é sempre, mas, naqueles dias, ela ficava iluminada por toda a noite.

​Você caminhava ao meu lado em absoluto silêncio. ​Éramos um mundo obscuro, iluminado somente quando todos os pássaros adormeciam. Caía neve e meus sonhos ao chão. Você os catava, mão a mão, juntava-os sem que eu soubesse... e foram três noites dentre mil tantas outras, naquela cidade, naquela ponte onde passei segurando meu coração, naquele templo sigiloso entre calçadas frias e escorregadias. Do alto, de onde eu o via, partindo antes que amanhecesse e todas as luzes se apagassem, eu o desenhei, guardei meus sonhos que você catou, jurei para sempre. Estendi meu braço, estendi minha mão, pedi que voltasse... Mas, anjo sem asa não voa para onde quer, percorre os caminhos dos homens e você se foi. 

Restou uma cidade que se acendia naquelas noites, meu perfume à sua espera e um molhado nos olhos parecendo teimosia. Restou silêncio absoluto e a certeza de que nunca mais contarei histórias, nem sonharei aqueles nossos sonhos, e nunca mais poderei acreditar... simplesmente porque tudo aquilo foi nosso e antes, entre um amanhecer e outro, a vida, bolha de ilusão, tocou meu rosto, escorreu pelas minhas pernas que ainda ardiam da pressão das suas, e a lembrança de seu cheiro - que só eu soube -, entre um olá e um mudo adeus, eu o perdi.


Suzana Guimarães​