Ilustração por

Sobre contos e pespontos

Entre um conto e outro, alguns pespontos. Preciso dos pespontos para manter o principal equilibrado e firme. Preciso todo o tempo... Aprendi a pespontar quando a minha mãe me ensinou a fazer flores. Não, não se aprende a pespontar quando se faz flores. Essas apenas me lembram a minha mãe que me ensinou a pespontar os arranjos que a vida nos dá.



sábado, 15 de setembro de 2012

QUANDO BASTA

 
 
(fotografia gentilmente cedida por Iracema Buscacio)
 
 
O que eu quero é só isto, olho com olho, boca com boca, sexo com sexo, nada mais, somente isso. Ah! Almas em harmonia.
 
Eu vou esperar o amor. Há dignidade também num meio-fio de calçada. Eu me sento e espero. Ele há de passar e de se fazer claro.
 
Perdi quantos amores de uma só vez? Não sei. Dois ou três. Dois e meio, pois até o desconhecido, eu amei. Aquele que poderia ter sido, aquele que nunca vi, mas amei, só amei.
 
Amores nascidos em tempos diferentes, mas mortos de um golpe só. Mas, quem disse que amor se vai de um golpe só? Não é estrela cadente, que, de repente, se vai. Foi. Você mal viu. Amor arruina-se aos poucos, em golpes pequenos e baixos. No instante final, um livro se abre e você vê tudo aquilo que fingiu não ver. Fazer o quê? Guardar em pastas no arquivo morto.
 
No cinema, eu chorei. Na realidade, queria berrar, mas o único som que eu emitia era o fungar do meu nariz e o do papel barulhento que catei na minha bolsa para enxugar o rosto molhado, enquanto a moça cantava o verão que ela não viu passar (*).
 
Eterna ilusão, a de estendermos o brilho de um amor que já era, virou estrela, está lá, mas não mais existe. Pior que o amor pela metade, o amor que não vi, só senti. Aquele amor que eu não reconheceria se me esbarrasse nele, na dobra de uma esquina. Mas, eu também não reconheceria meu tio Edgarzinho, nem os primos e primas, sequer meus namoradinhos de portão.
 
Eu, hoje, não reconheceria ninguém. Eu, hoje, estou fechada em paus, animal ferido, enjaulado, mas querendo sair. Acabou tudo. Dois amores e meio. Sobrou eu.
 
 
 Por Suzana Guimarães
 
 (*) Referência ao filme "Bem Amadas", dirigido por Christophe Honoré.