(Suzana Guimarães - arquivo pessoal) |
Pelas manhãs ou na hora do pôr do Sol, ele vai para a praia. Pouco sei dele. Ele pinta quadros, desenha mulheres, gente, instantes humanos. Ao lado dele, as perguntas que ele guarda, para me desorientar.
O mundo dele é em Inglês. O país dele, eu invadi. A cidade, mais ainda, adotei como destino escrito n`alguma estrela. Pouco sabemos de nós, somente o que permito que saiba e eu o deixo confuso, e as línguas atrapalham. E ele a mim também desconserta quando faz perguntas ou me olha com olhar desviado. Naqueles olhos já mergulhei e me encontrei, e eu me pergunto se ele se perde ou se encontra nos meus. Tenho mania de confundir, mas não é por querer, é por hábito da defesa. Ele desenha um rosto vagamente conhecido por mim, mas eu não sei quem é. Ele não se revela, só quando faço fotos dele, na beira da praia, colorindo telas. Eu penso em me revelar, mas algo em seus gestos me diz que ele me vê por entre véus. Ele me vê por uma fresta da razão, porque, o todo ele reconhece em linguagem de alma, mas ele ainda não sabe. Demorar a saber é demérito dos que amam. Há quem gaste décadas.
Acostumei-me à coisas trancadas. Na casa do meu avô, eu me sentava em frente ao cofre e chupava laranjas, mastigava chicletes, fazia enormes bolas, coçava os pés, descascava o esmalte. Cantarolava músicas que eu jamais sabia além de uma ou duas estrofes, misturava as letras, prazerosamente. Da mesma forma, gosto de estar em frente a ele, mas dispenso qualquer fazer... ele soletra meu nome repetidamente, feito ladainha, e isso me embala, mas não me basta.
Se meu avô revelasse o segredo, perderia a graça. O mistério por fim aniquilado...
Eu queria que ele lançasse ao mar nosso maior segredo, e me desse a mão, me convidasse para caminhar. Só isso, me convidasse para caminhar.
Por Suzana Guimarães