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Sobre contos e pespontos

Entre um conto e outro, alguns pespontos. Preciso dos pespontos para manter o principal equilibrado e firme. Preciso todo o tempo... Aprendi a pespontar quando a minha mãe me ensinou a fazer flores. Não, não se aprende a pespontar quando se faz flores. Essas apenas me lembram a minha mãe que me ensinou a pespontar os arranjos que a vida nos dá.



terça-feira, 5 de outubro de 2010

PALAVRAS ESPECIAIS PARA VOCÊ


fotografia, por SCG



Sei que você está aí e me lê. Sei que sou seu vício. A cachaça. Um maço de cigarros de uma só vez. A droga. A falta. A abstinência. Você se lembra dela, do veneno quente que rola por dentro das veias? Você sente novamente o calor na garganta, a necessidade, desespero? A falta da água que não é líquida, que não é fluida? A inquietação das suas pernas, o pisar em nuvens malignas?

A inquietação das suas pernas, que o levaram aonde bem quis, inclusive na boca do inferno. No coração dos céus? Até mim.

Sei que você me coloca no colo e me lê. Em cima dessas suas pernas, em cima da cama, em cima da mesa. Posso ver os seus olhos, o brilho ainda vive na minha lembrança. Você ficou assim, lotado de minhas palavras e eu com seus pedaços: suas pernas, tão longas, suas mãos, tão longas... sim, feito o lobo mau. Tantos pedaços que catei e guardei. Seus olhos e aquele pedaço de risada, pequena, leve, rápida.

Sei que você jura não mais me ler, mas cai em tentação, e seu material é frágil (não, não, nem tanto, você pode conter uma enxurrada), mas eu sempre fui a sua tentação.

Sei que você está aí e me lê. E lembra-se de que não viu o capeta, mas me viu. E eu o cortei, em tiras. Até hoje você procura os pedaços deste seu corpo ardido, desta sua alma que não mais tem o sossego da minha. Seus pedaços? Estão comigo.

Sei que você me lê e sente a paz de quando me via. De quando sentia meu cheiro por perto e meus olhos parados em você. Ou fugidios. De você, mais fácil escapar, mais difícil ficar. Mas eu ficava, e deixava-nos girar, você em mim e eu em volta de você, um círculo, um vício. A droga. A faca. Sim, com aquela mesma faca eu o cortei. Eu tive os dois em minhas mãos, lembra-se? Seus olhos apenas, de tão cegos e fumegantes, não puderam ver. Ou você nem se importava.

Mas, hoje você me lê. E se importa, já não pode mais me ouvir, e nem eu ser para você, ouvidos. Ou mesmo a sapiência de tudo que você sempre foi. Eu sempre soube tudo, meu segredo mal revelado, mal escondido. Sabotado.

Você me lê e eu me vejo no direito de lhe perguntar, mesmo não esperando resposta, deixo solta, pega aí: o que você fez com o vazio que ficou? Voltou com a faca para o mesmo lugar? Você só a tem porque eu a tinha. O que você fez com os espaços que eu preenchia, no sofá da sala, na murada, na calçada, lá onde águas corriam silenciosamente? Cortou o pé daquela fruta para me matar de vez? Coitada da fruta, pois eu continuo. E permaneço. E sei que sou agora o seu fantasma.

Você pensa me ver atravessando a rua, correndo para entrar num táxi. Você pensa que o barulho lá fora, sou eu chegando, para a rotina do domingo. Você vê o meu cabelo nos carros que passam. Você se lembra de mim quando sobe naquele pé de fruta que você não cortou. E dorme comigo entre os dedos. Quantas vezes você me tocou, eu, entre seus dedos, no metal dourado que me reflete, quantas vezes você passou o dedo de leve, e recordou?

Você se lembra de que depois rimos de tudo? Sim, eu também ri, em minha solidão, você nunca soube disso. Você se lembra do morro? Da praça? Você ainda come peixe com alcaparras? Ou nunca mais voltou lá? Ou voltou com tantos outros para se machucar?

Pois eu de nada disso me lembro. Eu virei borboleta. Voei para longe e no caminho o lancei aos ventos. Porém, tenho aqui comigo os seus pedaços. Venha! Venha buscá-los. Coragem? Você não a tem. Eu fui a sua maior coragem, eu fui o seu melhor tropeço. Eu fui o melhor de tudo aquilo que você se arrependeu de ter feito.


P.S.: Pensou que eu não lhe deixaria palavras? Sim, essas são suas, especiais para você.

Beijos!
                               
                                                     Suzana Guimarães

20 comentários:

  1. Suzana,

    A domadora das palavras,
    da palavra escrita
    - que sei, que leio.

    Que as domina,
    as molda a seu gosto,
    as cria,
    reformula,
    enriquece,
    aquece,
    e assim nos emudece,
    aos juntar letras aos milhares,
    certeiras,
    complexas
    e capazes de conectar
    mundos e corações!

    P.S. Num estalo, um carinho pra você!

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  2. nossa me deixei lervar desde a primeira linha... quando enfim cheguei ao final senti vontade de ler tudo de novo e por fim escolhi uma parte que me deixou desnortiada: "E dorme comigo entre os dedos. Quantas vezes você me tocou, eu, entre seus dedos, no metal dourado que me reflete, quantas vezes você passou o dedo de leve, e recordou?"
    eu penso que agora eu durmo com ele entre os dedos... essa frase me lembrou um passado recente.
    eu estou tão sensivel essa semana...
    beijinhos, adoro ler você

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  3. Nossa!!!

    Eu li e respirei fundo. Li e chorei. Li e fiquei com vontade de mandar para alguém as suas palavras.

    Su-su que texto forte, intenso e cheio de pedaços que se destacam na saudade do ter...

    Lindo demais!!!^^

    Adoorei!!!

    Beeijos

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  4. Em nome do pai!!!
    Me abstenho.....
    Falta-me estrutura

    Fica a oferta do aconchego...

    bjos

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  5. Sem palavras, sem ARRRRRRR, Su!!!!

    Que textooooooo!!!!

    Um abraço gigantescoooooooo minha flor!

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  6. Coisa bonita, encantada assim, dedicada sem citar nome, é pra mim, Su. Peguei e pronto!

    Mas sei que para garantir a posse terei de enfrentar a arrogância do Teopha nos tribunais...

    Beijos

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  7. Suzy: Como é possivel escrever tão belo texto, tens a magias das palavras dentro de ti e na ponta da lingua, nunca me passou pela cabeça ver-te escrever com tanta precisão e delicadeza.
    Beijinhos
    Santa Cruz

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  8. Su,

    Li, reli e li novamente, isso é de uma perfeição, que embriaga. Fiquei tonta, menina.

    Que gentileza a sua de deixar palavras.

    Bjos carinhosos

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. É claro que as recebo com todo o carinho do mundos as suas adoráveis e doce palavras. Risadas.
    Isso é que é brincar com palavras.
    Abraços

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  11. Linda sensibilidade para trasnmitir em palavras as emoções... e nos fazer senti-las junto contigo!
    Me deixou sensibilizada...

    Beijos no seu coração!

    Lis

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  12. Su, queria convidar-lhe para escrever no Nossas Marés dia 23 de outubro. Que achas??! =D

    Manda um email para mim, please: suzana.martinss@gmail.com

    Beijos, querida!^^

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  13. Intenso

    Tá ok confesso: Viciei em suas palavras...

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  14. Ah, é por essas e outras que eu viciei em você, não vivo mais sem tuas palavras.

    Eu acho que és a feiticeira das palavrinhas, consegues colocar o que quiser nelas, intensidade, paixão, dor, carinho.

    é sempre bom vir aqui.

    e dizer que adoro quando apareces no meu blog, teus comentários sempre fazem a diferença.

    tu és daquelas almas, que dobram mas não quebram.

    Um beijo voando direto praí!!

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  15. INTENSO!
    LINDO!
    PERFEITO!
    aff...faltou-me palavras..vou ler de novo!
    bjossssss

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  16. MEODEOS!!!!
    Peçote permissão para postar teu texto M A R A V I L H O S O no meu blog, pois parece que são minhas essas palavras para alguém...

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  17. Quer saber? eu gosto mesmo é disso, das coisas viscerais. Daquilo que vem daqui de dentro. E você é intensa.

    BeijooO'

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  18. Olá Suzana, adorei este seu texto, você tem o dom da escrita! Parabéns. Voltarei mais vezes.

    Tenha um bom fim de semana

    Bjs

    Sãozita

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  19. Nossa... olhei até para traz, pensei que aqui estivesse!

    Hahaha!

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  20. "Pois eu de nada disso me lembro. Eu virei borboleta. Voei para longe e no caminho o lancei aos ventos. Porém, tenho aqui comigo os seus pedaços. Venha! Venha buscá-los. Coragem? Você não a tem. Eu fui a sua maior coragem, eu fui o seu melhor tropeço. Eu fui o melhor de tudo aquilo que você se arrependeu de ter feito."
    QUE PERFEEEEEEEEEITO *-*

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