Ilustração por

Sobre contos e pespontos

Entre um conto e outro, alguns pespontos. Preciso dos pespontos para manter o principal equilibrado e firme. Preciso todo o tempo... Aprendi a pespontar quando a minha mãe me ensinou a fazer flores. Não, não se aprende a pespontar quando se faz flores. Essas apenas me lembram a minha mãe que me ensinou a pespontar os arranjos que a vida nos dá.



domingo, 2 de outubro de 2011

ELA E EU


(Suzana Guimarães  -  fotografia, Ana Diniz Echabe)


É só questão de tempo, um pouco mais, só um pouco e eu a verei novamente. Sou menino. Sinto pressão no peito. Sinto dor. Sinto alívio. Meu coração aos pulos saltará da boca. Sou menino. Angústia, saudade, tanto tempo, tempo longo, longo, nem me lembro mais, tento me convencer, mas ela virá. Ela chegará, sim, ela chegou e eu de novo em frente a ela, como sempre foi. E ela ri. Ela ainda ri. E ela me olha, apaixonada. Ela ainda me ama, ah, sim, ela me ama. Ela se mexe. Ela ainda se mexe, bastante, fala, anda, senta, revira meu velho coração.

Sim, agora sou ancião. O velho encurvado. Sou passado. Sou tristeza. Arrependimento. Sou o reflexo mal refletido dela, pois ela nunca saberá, mesmo que pense saber... Sou velho, sou um passo para trás, sou melancolia. Queria estar longe, queria ir embora, por que estou aqui?

Sou novo, sou viril, sou homem. Ela pendura-se no meu pescoço, cumprimenta-me. Ela sempre foi assim, eternizada assim, riso, volume alto, volume baixo, olhar cabisbaixo... sou homem, ela me toca, ela pergunta, ela finge, sou homem, sou comichão, sou passado passeando à flor da pele, sou avião voando alto, sou todos eles, de saudade. Sou homem e a toco, três dedos pressionando a cintura dela, sentindo o velho cheiro, sou menino, sou velho, sou homem. Sou recordação.


                             Por Suzana Guimarães