terça-feira, 17 de agosto de 2010
PELE E ENCAIXE
Ele sempre chegava e dizia "bom-dia!". Pegava a faixa e a amarrava na cintura dela, não sem antes, olhá-la no fundo dos olhos, dar uma parada e logo um aperto um pouco forte para o nó. Ela sentia calor, era quente o quimono. Bem que ele não precisava ajudá-la, mas era prazeroso o ato de ensinar. E ela gostava, não aprendia nunca. Ele apertava a faixa com um leve sorriso. Ele, o sensei, vencia. Naquele dia, ele tocou o braço dela, a mão molhada. Ela agora vencia. Fêmea igual a qualquer outra, deu um leve sorrisinho. Os primeiros golpes em pé. Tudo bem, só contato de pernas. Ela passava as pernas protegidas pela calça nas pernas dele, peludas, ele, de calção. Já havia aquela tensão de se trocarem por ali mesmo. Um dando as costas para o outro. Panos encobrindo panos que saíam. O calor começava ali, para ela e para ele, as mãos molhadas. As dele. Não havia deslizes, ela era boa naquilo. Ela não suava, ela escondia. Só o calor do quimono dificultava. Fêmeas nasceram para o cortejo. Havia satisfação naquela troca. Eles sabiam que finalizar a luta seria fácil. Bom, ela sabia. A mulher sempre soube, é preciso apenas, e é isso o que ela apenas quer, a mulher, constatar a pele e o encaixe. Disso, ele também já sabia - não pensava em fazê-la girar no lustre - quando a levantava nas costas e a derrubava ao chão. Aí, ela perdia, ele ganhava. Ele, o sensei, era obrigado a facilitar, a faixa preta na cintura apontava, então ele deixava o corpo um pouco solto. Um pouco. Eles viam os tracinhos em volta dos olhos de ambos. A pele já brilhava. Ela se contorcia para sair. Da forma que desse. Sentia os seios esmagados, sentia o corpo dele pressionando. Pesavam quase o mesmo peso, tinham quase o mesmo tamanho, mas ele era um feixe de músculos. Retesados. E, ela, fêmea, esfregava-se por baixo dele. Nada demais. Ela tinha que sair. Às vezes, ele, deitado em cima dela, pegava-lhe o rosto com as duas mãos e ensinava. Demorava. Falava manso. Repetia. Olhava-a nos olhos. Ela sentia o peso, mal ouvia. E queria ganhar. Às vezes, era bom ganhar. Às vezes, o prazer estava no perder. E ela, então, voltava a fazer força, empurrando-o para fora. Quanto mais empurrava, mais sabia que ele se deitava e mais ambos sabiam que só se precisa mesmo, só mesmo, a pele e o encaixe. Enquanto perdia, presa, ela sentia a cabeça dele deitada de lado, abaixo dos seios dela, acima do umbigo. O quimono esquentava. Não era água que saía dos poros, era óleo. Às vezes, ele a derrubava e ela caía de mau jeito. Num pulo, ele em cima dela, tentando segurar o que ia bater. Ele, em cima dela, parava o olho nela, queria saber, preocupado, passava a mão na cabeça dela, um carinho. Na maioria das vezes, ele por cima, ela tinha que enlaçá-lo com as pernas, fazer guarda. Abria as pernas e tentava apertar, e tinha que apertar, ele mandava: "aperta, aperta". Podia sentir os músculos dele, todos, sem pular um. Aí, começava a aula. Ele, o sensei, falava próximo ao pescoço dela. Ensinava. Mal tocava nessas horas. Afastava-se um pouco, sem soltá-la, relaxava o corpo. Um pouco. Mas falava. Falava. O tempo passava. O vento parava. Peles grudavam. Ela teria que contar para ganhar. Ela ria. Ela perdia. Ele vencia e ria. Quando voltavam para cima, mais pernas e puxões e pronto, um grito dela, ela no chão. Ele, rápido, caía em cima, mas não pesava. Com o tempo, ele passou a jogá-la mais rápido para o tatame. O grito e pronto. Presa novamente. Ele vencia. Ela passou a vencer também, venciam juntos, pois aquilo já era um visgo. Com o tempo, o quimono dele se abria, a faixa voava. Ela caía, gritava e ria. Ele ria. Já não era luta, era um jogo, uma dança, um quase coito. Às vezes, ele se lembrava, ela era aluna. E ele então pensava em álgebra. Com o tempo, já não eram mais duas peles, era uma. Com o tempo, parecia vício. Com o tempo, só se via um, onde antes eram dois. A bola. Um retângulo. O quadrado.