Ilustração por

Sobre contos e pespontos

Entre um conto e outro, alguns pespontos. Preciso dos pespontos para manter o principal equilibrado e firme. Preciso todo o tempo... Aprendi a pespontar quando a minha mãe me ensinou a fazer flores. Não, não se aprende a pespontar quando se faz flores. Essas apenas me lembram a minha mãe que me ensinou a pespontar os arranjos que a vida nos dá.



segunda-feira, 16 de agosto de 2010

VALSA MAL DANÇADA

                                             Suzana Guimarães

Como é que foi mesmo?

Eu vou contar

Era um baile,

Uma valsa mal dançada

Acho que eu estava cansada

Havia pouca luz

Pouca pista

Pouco amor

Um monte de dor.


Como é que foi mesmo?

Já está começando a desbotar...

Era noite

E o baile havia acabado de começar

Eu fiquei tanto tempo sentada

Que me perdi

Já não sabia mais o que estava fazendo ali


Convidaram-me para dançar

Tantos pares

Tantos passos

Tanta gente, tanto em minha mente.

Você apareceu e começamos a ensaiar uma valsa

Os músicos em desarmonia ou seríamos nós?

Eu queria outra dança, outro som, eu queria descer uma cachoeira, numa balsa.

Eu só pensava em águas.

Dançava, ou engolindo seco, ou com o coração sobressaltado

Aquela sensação de que se vai cair ao chão em segundos,

Seus olhos em mim, sentindo quem era eu - ilusão!

Dança de toques, mãos borboletas, sensação de cãibra.

Pensei melhor seria largar aquela valsa mal dançada...


Se me oferecesse,

Se você se preocupasse,

Eu tomaria uma taça do mais puro vinho

Para tentar um bailar mais digno de nós,

Talvez compassado.

Mas você não ofereceu a taça

Você, tão preocupado com os passos.

E eu com a sede.


Como é que foi mesmo?

Já não me lembro mais.

Lembro-me dos olhos, da boca.

Lembro-me da cor das minhas sandálias,

Lembro-me da cor da tua roupa.

Esqueci os passos, esqueci a valsa

Os anos se passaram

Eu não conto mais contos de fadas


Mas a vida não me enfada

Eu vivo do que me agrada

Penso em balsas,

Penso em cartas...

Num encontro que nunca entendi,

Mas me compreendi

E você me deixou legado,

Alguns presentes - intocáveis!

Penso naquelas horas, apenas nas horas.

Nem preciso acordar de sonhos

Vivo acordada todos eles.

Bem melhor agora.



Talvez os músicos ainda estejam lá, nem viram a gente sair

E, pensam, iludidos, que nos tocam.