Ilustração por

Sobre contos e pespontos

Entre um conto e outro, alguns pespontos. Preciso dos pespontos para manter o principal equilibrado e firme. Preciso todo o tempo... Aprendi a pespontar quando a minha mãe me ensinou a fazer flores. Não, não se aprende a pespontar quando se faz flores. Essas apenas me lembram a minha mãe que me ensinou a pespontar os arranjos que a vida nos dá.



terça-feira, 31 de agosto de 2010

DOS PRESENTES QUE GANHEI

                                                          

Quando aqui cheguei, larguei o passado e desisti de pensar no futuro, enquanto desembrulhava os meus presentes. Ganhei vários. O primeiro que abri: uma caixa que crescia com o tempo, se enchia de pequeninas pessoas, todas apertadas dentro dela, mas com ventos refrescantes que ora sopravam a minha cara, ora as delas. Pessoas pequeninas, pequeninas pessoas enormes - bastava alçá-las de dentro para vê-las melhor - que usavam o mesmo sapato que eu, a mesma roupa, o mesmo chapéu e gostavam de coisas consideradas tolas, olhar estrelas, pisar na grama, ver Sol nascer e se pôr, comer algodão- doce.

Depois, abri o segundo presente: palavras, palavras. Palavras vindas de uma gente que não economiza, que perde tempo juntando letras e lendo entrelinhas. Alguns dizem nada entender, mas entendem sim, eu sei. Palavras condensadas na lata do meu computador. Eu passei então a abri-lo sempre, para passar o dedo e levar o leite doce à boca. Creio que engordei.

Aí, perdi a ordem na lista de chegada. Perdi a mim mesma, numa perda prazerosa (descobri que perder pode às vezes ser muito bom).

Ganhei carinhos, afagos na alma e no coração, vinham também dentro de latas. Bastava apenas abrir a primeira, a que cabia a mim, a que esperava esforço meu.

Enviaram-me um saquinho transparente lotado de joaninhas vermelhas. E também uma veste, amarela, da cor do ouro do meu país, da cor dos canários do meu país. A veste não faltou, nem sobrou. Enviaram-me areias, muitas, em folhas finas de papéis, mais bonitas que as do deserto onde moro (me desculpa, minha segunda pátria!). E também disco. A moça cantou, cantou o dia inteiro.

Enviaram-me beijos, abraços... eu agarrei todos, no ar. Pulava e pegava-os, me divertindo, pois, muitos vinham dentro de saquinhos de risos. Ganhei sapatos altíssimos. Fiquei tão desorientada com a surpresa do mimo, que calcei pés trocados para a fotografia.

Deram-me um gato, com dedicatória pendurada no pescoço, negro, de olhos amarelos. O gatinho chegou ensinado, sabia arranhar meu nome LILY. Junto com ele, enviaram-me uma lágrima que parecia um orvalho e poema de alguém famoso.

Eu ganhei espaços nas casas dos amigos, homenagens eternas. Recebi selos, estampilhas, poemas. Recebi uma joaninha especial, veio no dedo de uma moça de um lugar distante e frio, mas apenas o lugar é frio, pois seus habitantes são esquentados feito fogão em dia de festa.

Eu ganhei pedidos de desculpas desnecessários - nós todos não bebemos água, ingerimos sentimentos - e ganhei algumas músicas para embalar as minha horas.

Ganhei paz e frenesi. Ganhei presentes. Ganhei um espaço maior na minha memória. Ganhei de uma vez só tudo aquilo que mendiguei por dias, meses... anos, anos, anos que passaram duros. Ganhei amor em almofada de seda.

Enviaram-me a mim mesma.